Brief
Executive Summary
- As tarifas representam mais uma disrupção em um sistema de cadeias globais de suprimento que foi criado para um contexto político e econômico que já não existe.
- Segundo dados de uma pesquisa da Bain, três em cada quatro executivos estão lidando com pelo menos seis prioridades conflitantes em suas cadeias de suprimentos.
- Redesenhar e otimizar essas cadeias exigirá escolhas estratégicas difíceis — e não haverá uma solução única: a resposta certa vai variar conforme o setor e a empresa.
- As empresas líderes começam alinhando suas metas estratégicas, tratam a operação como um sistema integrado e multivariado, e investem em talentos e ferramentas digitais para encarar os desafios que vêm pela frente.
Executivos de diversos setores estão chegando a uma conclusão preocupante à medida que lidam com o aumento das tarifas: esse é mais um grande choque em um sistema de cadeias de suprimentos que já não funciona — porque foi projetado para um mundo que já não existe.
A abordagem “just-in-time” de produção e entrega funcionou bem por décadas durante a era da globalização. As empresas podiam fabricar seus produtos onde fosse mais barato, enviar de locais distantes e vender em qualquer lugar do mundo. As cadeias de suprimentos eram lineares e previsíveis. A origem dos produtos e sua pegada de carbono raramente figuravam entre os principais critérios de compra da maioria dos clientes.
Nada disso é mais verdade. As interrupções nas cadeias de suprimentos se acumularam nos últimos anos com a devastadora pandemia de Covid-19, a escassez global de semicondutores, a inflação, eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e tensões geopolíticas em um mundo cada vez mais pós-global. Ao mesmo tempo, os executivos enfrentam as implicações dessas mudanças nas cadeias de suprimentos diante de grandes transformações no ambiente de negócios: desafios relacionados à mão de obra, expectativas em evolução dos clientes, tecnologias transformadoras como a inteligência artificial e a pressão de stakeholders para descarbonizar e tornar as operações mais sustentáveis.
Os executivos estão aplicando o que aprenderam nos últimos anos para lidar melhor com períodos de turbulência. As tarifas são apenas a mais recente disrupção que exige ações decisivas para proteger as operações e a rentabilidade dos negócios.
Em antecipação a novas tarifas, muitas empresas começaram recentemente a realocar capital para investimentos em cadeia de suprimentos e tecnologia, deixando pagamentos de dívidas e dividendos em segundo plano. É o que mostra uma pesquisa da Bain com executivos de operações globais realizada no início de janeiro, antes da adoção de novas tarifas pelos EUA sob uma segunda administração Trump. Quase 40% dos entrevistados previam aumentos de dois dígitos nos custos de insumos devido às tarifas, e cerca de 80% afirmaram que estavam revisando — ou considerando revisar — suas projeções financeiras por conta dessas preocupações.
De acordo com a pesquisa, as ações mais comuns adotadas pelas equipes executivas incluem a diversificação da cadeia de suprimentos, a ampliação da base de fornecedores, a consideração de aumento de preços e a realocação de polos de manufatura (Figura 1). A maioria das empresas planeja reduzir custos para financiar medidas de mitigação dos impactos das tarifas.
No entanto, as equipes de liderança mais eficazes não estão apenas adotando medidas pontuais para mitigar as ameaças tarifárias mais recentes. Ao reconhecer que as tarifas voltaram a expor um sistema ultrapassado, esses líderes estão dando passos ousados para reinventar suas cadeias de suprimentos e operações.
A fórmula tradicional que orientava as decisões na cadeia de suprimentos já não é mais suficiente. Reduzir custos, otimizar estoques, melhorar o atendimento e a qualidade, além de impulsionar o crescimento, continuam sendo prioridades fundamentais. No entanto, agora as cadeias de suprimentos também precisam ser mais resilientes, sustentáveis, e altamente responsivas às mudanças nas expectativas dos clientes. Elas também precisam ser rastreáveis, alinhadas ao nacionalismo econômico e incorporar elementos de circularidade. O problema é que simplesmente não será viável tornar uma cadeia de suprimentos 100% resiliente, sustentável, responsiva, rastreável, circular e, ao mesmo tempo, economicamente viável. .
CEOs e equipes de liderança operacional estão enfrentando dificuldades para lidar com o número cada vez maior de prioridades conflitantes. Cerca de 75% dos participantes da nossa pesquisa mais recente classificaram seis ou mais prioridades como “extremamente” ou “muito” importantes (Figura 2).
Vencer nesse novo cenário dependerá da capacidade de fazer as escolhas estratégicas certas. Esses trade-offs serão mais complexos do que aqueles enfrentados pela maioria das equipes de operações nas últimas décadas. A otimização da cadeia de suprimentos deixou de ser, principalmente, um problema de engenharia resolvido por meio de algoritmos. Agora, trata-se de uma questão estratégica — e não existe uma fórmula única para definir as melhores decisões. Além disso, as escolhas estratégicas ideais vão variar de acordo com o setor e com cada empresa.
Em resumo: reinventar a cadeia de suprimentos se tornou uma transformação urgente e indispensável para a maioria das empresas — e isso vai exigir um conjunto de capacidades e abordagens muito diferente do que era necessário no passado.
Esse é mais um sinal claro de que o sistema atual da cadeia de suprimentos precisa ser repensado, já que foi desenvolvido para um contexto que não existe mais.
Três fatores essenciais para os executivos
Em nosso trabalho apoiando empresas ao redor do mundo na reformulação de suas cadeias de suprimentos e operações, temos observado que as líderes emergentes estão concentradas em três princípios fundamentais.
1. Comece pensando sem limitações. As empresas líderes estão redesenhando suas cadeias de suprimentos a partir da visão do futuro ideal, trabalhando de trás para frente. Elas não se prendem a ajustes pontuais e não hesitam em apostar alto quando necessário.
Diante do aumento dos riscos geopolíticos, os líderes de uma fabricante de equipamentos de tecnologia perceberam que a dependência da China e de Taiwan representava uma ameaça séria à resiliência da cadeia de suprimentos. Ao mesmo tempo, a empresa enfrentava pressão para atingir metas ambiciosas de sustentabilidade e cumprir novas regulamentações sobre temas como reciclagem de produtos e acesso dos clientes a peças de reposição.
Usando análise de cenários, a empresa quantificou os efeitos previstos de diferentes mudanças na cadeia de suprimentos sobre custos, resiliência, disposição dos clientes em pagar mais e emissões de carbono. O resultado foi uma estratégia de nearshoring bem fundamentada, que não apenas reduziu riscos, mas também gerou ganhos financeiros — um aumento de 2% a 3% na receita anual e a possibilidade de evitar 2% em custos adicionais. Ainda assim, colocar o plano em prática exigiu coragem: ele envolve transferir grande parte da fabricação para mais perto dos mercados principais e realocar fornecedores estratégicos.
2. Resolva a equação operacional como um sistema multivariado. A solução não virá da aplicação de um único algoritmo ou da correção isolada de uma variável. Na verdade, esse tem sido o erro recorrente desde a Covid: as equipes de gestão tendem a reagir ao choque mais recente, apenas para enfrentar outro em poucos meses. As líderes emergentes reconhecem que a cadeia de suprimentos precisa ser gerida como um sistema complexo e multivariado, com plena consciência das interdependências envolvidas. As decisões dependem de trade-offs estratégicos específicos aos objetivos de longo prazo de cada empresa. Certas estruturas de operação tornam esses trade-offs mais viáveis e gerenciáveis.
Uma empresa do setor químico operava, há muito tempo, de forma isolada, com cada equipe da cadeia de suprimentos focada em maximizar sua própria eficiência com base em uma ou duas métricas principais. Essa abordagem fragmentada resultou em prazos de entrega mais longos, custos desnecessários e respostas ineficientes e pouco eficazes a choques na cadeia de suprimentos.
Para resolver esse problema, a empresa redesenhou sua cadeia de suprimentos para funcionar como um sistema integrado de ponta a ponta. A colaboração entre áreas e uma visão mais ampla permitiram que a empresa abordasse o sistema como um todo, considerando todas as métricas-chave de forma simultânea, o que abriu novas possibilidades de design e maior flexibilidade. Em seguida, a empresa segmentou suas operações para atender às necessidades específicas de clientes e produtos, em vez de adotar um modelo único e padronizado para todos.
Taticamente, a empresa reduziu os custos com armazenagem e logística em mais de 5% ao impor o uso das transportadoras de menor custo em suas fábricas, questionar taxas adicionais cobradas pelas transportadoras, otimizar o uso dos principais centros de distribuição e aprimorar seu planejamento. Também liberou caixa ao reduzir os estoques em mais de 15% e desenvolveu um modelo de custo de atendimento mais preciso.
No fim das contas, o redesenho da cadeia de suprimentos ajudou a empresa a atingir sua meta de crescimento de 15%.
3. Capacite os talentos, modernize as ferramentas digitais e atualize os sistemas de gestão. As líderes emergentes estão investindo na qualificação e no desenvolvimento das equipes de operações para que atuem de forma mais estratégica e inovadora no uso das ferramentas digitais. Além disso, estão garantindo o acesso a dados confiáveis e relevantes para embasar suas decisões estratégicas.
Uma empresa de produtos para o lar havia desenvolvido uma cadeia de suprimentos altamente eficiente, rápida e em grande escala — mas com pouca flexibilidade. Com isso, a empresa acabava reagindo às mudanças na demanda e aos choques do mercado, em vez de atuar de forma proativa para aproveitar as oportunidades.
Para mudar esse cenário, a empresa adotou uma estratégia de cadeia de suprimentos mais ágil e responsiva. Após simular diversos cenários com o uso da tecnologia de digital twin, a empresa aprimorou suas operações de manufatura e logística, introduzindo fábricas para oferecer capacidade adicional conforme a demanda e ampliando parcerias com cofabricantes. Essas mudanças não só impulsionaram um aumento de 3% nas vendas líquidas, como também melhoraram o time-to-market e o monitoramento da utilização da capacidade produtiva, reduzindo os custos operacionais em mais de 2%.
Enquanto isso, o aumento dos custos de insumos e a escassez de trabalhadores especializados estavam comprometendo a competitividade de uma empresa de construção naval. Os líderes da companhia perceberam que as tecnologias digitais e a automação seriam essenciais para melhorar a eficiência sem comprometer a qualidade.
A empresa abandonou a abordagem fragmentada por função e passou a adotar uma visão integrada, com um direcionamento claro: priorizar investimentos em tecnologias de alto impacto nas áreas de engenharia, inspeção, manutenção, robótica, logística e rastreabilidade da cadeia de suprimentos. Esses esforços ajudaram a reduzir significativamente os custos nessas frentes e viabilizaram novas capacidades analíticas a partir dos dados agora disponíveis, posicionando a empresa para um sucesso sustentável em um mercado desafiador.
Vá além da sobrevivência: prospere.
O antigo manual da cadeia de suprimentos está obsoleto. Empresas que tratam tarifas e outras disrupções como crises pontuais a serem simplesmente “administradas” acabarão presas a um ciclo constante de reação — sempre um passo atrás, sempre vulneráveis.
As empresas que estão se destacando são aquelas que estão aproveitando este momento como um catalisador para a reinvenção. Elas estão se transformando e fazendo escolhas ousadas que as posicionam não apenas para sobreviver à próxima disrupção, mas para prosperar em um futuro onde resiliência, sustentabilidade, agilidade e visibilidade serão os pilares do sucesso. A questão não é se sua cadeia de suprimentos precisa mudar — é se você está disposto a repensá-la do zero.