Brief
As tarifas deixaram de ser uma questão distante de política pública; hoje representam um desafio imediato e complexo que afeta a maioria das empresas. As lideranças precisam agir com decisão para enfrentar esse cenário de disrupção e se preparar para impactos mais amplos em uma economia global fragmentada. Tomar decisões de curto prazo e definir estratégias de longo prazo é fundamental para reduzir riscos e aproveitar as oportunidades que surgem com essas mudanças.
É preciso entender as tarifas como parte de um movimento geopolítico maior: a transição de um mundo globalizado para uma nova fase, menos integrada. Depois de décadas de abertura e integração dos mercados, cresce a pressão popular contra políticas de livre comércio. Muitos países estão adotando — ou considerando — medidas mais protecionistas, o que acaba prejudicando especialmente as economias que dependem das exportações. Nesse novo cenário, com mercados mais fragmentados, os custos aumentam e os erros de previsão pesam muito mais para os negócios.
Cuidado com a tentação das respostas simplistas
Prever o impacto preciso das tarifas é um exercício complexo. Ajustes cambiais, tarifas de retaliação e mudanças nos fluxos de comércio criam efeitos em cascata que desafiam o cálculo linear. Esforços para quantificar esses impactos muitas vezes resultam em uma falsa sensação de precisão, deixando as empresas mal preparadas para lidar com as complexidades futuras. Respostas estratégicas exigem uma compreensão equilibrada da incerteza — não uma dependência cega em modelos ou suposições.
Em termos gerais, uma tarifa é apenas um tipo específico de imposto adotado pelo governo, que aumenta a poupança pública (receita menos gastos), mas gera custos para diferentes setores da economia. As famílias podem enfrentar preços mais altos, as empresas podem ter lucros reduzidos, e os parceiros comerciais internacionais podem sofrer impactos em sua balança comercial. Quem, de fato, arca com os custos de uma mudança de política governamental depende de uma combinação complexa de fatores de oferta e demanda — que variam entre os produtos e também ao longo de suas cadeias de valor.
Em caso de um aumento generalizado das tarifas, é praticamente impossível prever com precisão o efeito líquido da medida. Podemos afirmar, no entanto, que é pouco provável que o custo das tarifas seja absorvido integralmente apenas pelos consumidores ou por agentes estrangeiros. Embora a economia global esteja em uma situação bem diferente da de 2017, na época as tarifas tiveram um impacto quase nulo sobre a inflação ao consumidor nos EUA. No nível dos produtos, porém, os efeitos foram variados — e também mudaram com o tempo.
Além disso, qualquer mudança na política tarifária dos EUA tende a gerar diversos efeitos e contraefeitos — tanto dentro da própria economia americana (como o surgimento de substitutos domésticos), quanto fora dela (como o desvio de fluxos comerciais de países tarifados para países não tarifados). Embora esses impactos certamente causem disrupções em planos e operações de negócios, eles também tendem a mitigar os efeitos macroeconômicos.
De forma mais ampla, a pressão inflacionária causada por tarifas pode ser menor do que muitas lideranças imaginam (Figura 1). Mesmo em um cenário altamente disruptivo — como a imposição imediata de tarifas de 100% sobre as importações da China — o impacto inflacionário líquido provavelmente seria bem menos intenso do que o choque inflacionário do pós-pandemia, quando a oferta estava globalmente restrita e a demanda foi fortemente estimulada.


Agir e planejar desde já: uma prioridade com dois lados
Vencer nessa nova ordem global exige atuação imediata e planejamento de longo prazo.
Aja agora
As empresas podem se mobilizar em torno de três frentes essenciais:
- Entenda sua cadeia de valor — upstream e downstream — e identifique onde ela cruza fronteiras. Tenha clareza sobre a exposição dos seus concorrentes e onde sua empresa está mais ou menos vulnerável.
- Defina os pontos de inflexão que exigiriam uma mudança no modelo de negócio: quais níveis tarifários, e por quanto tempo, seriam suficientes para alterar decisões estratégicas?
- Identifique onde sua empresa já tem poder de negociação e precificação — e onde precisa desenvolvê-lo.
Avaliar a exposição tarifária de cada empresa é crucial, já que os impactos podem variar bastante — mesmo dentro de um mesmo setor. Montadoras de veículos, por exemplo, podem seguir caminhos bem diferentes dependendo da estrutura de suas cadeias de suprimento. Elas podem otimizar sua operação atual, realocando volumes para priorizar a produção nos EUA voltada ao mercado local e utilizando ao máximo a capacidade de suas fábricas no país. Também podem investir em maior flexibilidade na estrutura produtiva existente, permitindo ajustar rapidamente os volumes conforme as condições mudem. Além disso, podem reavaliar futuros investimentos de grande porte em suas operações atuais. .
Planeje agora
Em um cenário de comércio fragmentado, o sucesso no longo prazo depende de estratégias que priorizem previsão, adaptabilidade e resiliência. Um ponto-chave é desenvolver mecanismos de proteção e alternativas que garantam flexibilidade para agir diante das mudanças.
Ao mapear suas cadeias de valor como parte do tópico “Aja agora”, as empresas podem adotar uma abordagem mais disciplinada para compreender de forma mais ampla seus pontos de exposição. O processo de análise da exposição na cadeia de suprimentos, por exemplo, pode revelar desafios em monitorar e analisar possíveis disrupções — e destacar a necessidade de desenvolver rapidamente essa capacidade para lidar com a volatilidade.
O primeiro passo é alinhar a visão estratégica da empresa diante do cenário global. Diante do realinhamento global, analise seu negócio como faria um investidor ativista. Qual seria a tese de investimento, resumida em duas páginas, que explica o que realmente gera valor nesse mercado? Quais mercados, produtos e fornecedores são indispensáveis e fundamentais para a valorização da empresa? Ao examinar essa tese, quais são as exposições críticas do seu negócio?
Previsão. Essa capacidade envolve formar convicções sobre o futuro do seu setor com confiança suficiente para tomar decisões que resultem em vantagem competitiva. Na prática, alcançar precisão será difícil diante das forças opostas desencadeadas pelas tarifas — e o maior risco está no excesso de confiança. O foco deve estar no que realmente importa para o seu negócio: qual seria o impacto potencial sobre receita e margens em um cenário extremo, porém plausível?
- Enfrentaremos uma nova barreira tarifária ou de custo? Em caso afirmativo, qual será sua magnitude — e por quanto tempo ela deve durar?
Adaptabilidade. Ser adaptável significa mudar o negócio mais rápido do que os concorrentes. As empresas mais bem-sucedidas serão aquelas que conseguirem ajustar seu ritmo de adaptação à velocidade das mudanças no ambiente regulatório — que, neste caso, está evoluindo rapidamente.
- Nossos concorrentes no exterior vão reagir reduzindo preços e nos superando nos mercados em que já atuamos? Se isso acontecer, conseguiremos encontrar outros mercados? E esses novos mercados serão suficientes?
Resiliência. Empresas com maior resiliência superam choques melhor do que seus concorrentes. Se não conseguirem se adaptar com rapidez suficiente, construir resiliência passa a ser fundamental. A intensidade dos impactos que uma empresa é capaz de suportar — e as estratégias para mitigá-los — deve orientar sua resposta. Mas é importante lembrar: a resiliência também tem limite e depende do prazo em questão.
- Vale a pena investir em um negócio cujo valor está justamente na possibilidade de cenários adversos?
Superar a complexidade, garantir oportunidades
As tarifas são reflexo de um realinhamento econômico mais amplo, que vai transformar a forma como as empresas operam. Aquelas que reagirem com agilidade e sofisticação não apenas superarão a disrupção, mas também se posicionarão como líderes em uma era pós-global. Já para quem hesitar, os custos podem ser altos — e irreversíveis.