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Para muitos executivos, fusões e aquisições em tempos de crise são arriscadas e pouco realistas. Com os mercados de crédito em retração, torna-se caro financiar transações, e as reservas de caixa das empresas acabam sendo preservadas para o caso de um cenário negativo prolongado. Os mercados de ações tornam-se mais sensíveis, fazendo da troca de ações uma fórmula arriscada. Com isso, tende-se a concluir que, na crise, uma transação desviaria o foco do negócio central da empresa, criando riscos desnecessários.
No entanto, para empresas com bases estratégicas e financeiras sólidas, recessões são oportunidades para alavancar sua posição competitiva por meio de aquisições e parcerias. E isso pode significar uma oportunidade relevante para quem investe nas ações dessas empresas.
Segundo análise da Bain & Company, de 24 mil fusões e aquisições realizadas entre 1996 e 2006, as transações feitas durante ou logo após a recessão de 2001-2002 geraram quase o triplo do retorno daquelas realizadas no "boom" anterior à crise. Essa conclusão, que considera o retorno aos acionistas no período de quatro semanas antes até quatro semanas após cada transação, é válida para diferentes indústrias e escalas. Além disso, nota-se que companhias que vão às compras tanto em cenários de crise como de crescimento têm melhor desempenho no longo prazo. Exemplo é a América Móvil, que passou de um player regional a uma das líderes mundiais em telefonia celular por meio da aquisição de empresas em dificuldade por toda a América Latina, incluindo a BCP no Brasil.
Em qualquer contexto, aquisições e parcerias devem ter como norte a estratégia da empresa. E num cenário recessivo, o foco da estratégia deve ser fortalecer seu negócio central. Para tanto, deve-se ter em mente que fusões e aquisições podem criar alternativas valiosas em tempos de crise. No Brasil, por exemplo, Perdigão e Sadia valeram-se de uma situação criada pela turbulência para desenhar uma transação com potencial para formar um participante de peso no mercado alimentício mundial - a Brasil Foods. Tal acordo só foi possível devido às perdas em operações de derivativos de câmbio que afligiram a Sadia em 2008.
Independentemente do setor, a pedra fundamental de uma aquisição deve ser a tese de investimento: argumentos que sustentem que a incorporação de outra empresa criará valor para o negócio. Aproximadamente 80% das transações de sucesso analisadas tiveram teses de investimento bem fundamentadas. Nas transações que fracassaram, essa proporção foi de 40%.
Conceitos como esse não se alteram, qualquer que seja o estado da economia. Assim, visando reforçar sua participação ao longo da cadeia produtiva, a Cosan criou uma empresa focada em aquisições no mercado imobiliário rural, a Radar. Entre os negócios fechados, destaca-se a compra do controle da NovAmérica em março de 2009, que deu à Cosan uma maior capacidade de moagem, maior participação em armazéns e terminais de embarque e o controle da marca União, líder em vendas de açúcar refinado no Brasil.
Em suma, são três os princípios que devem orientar empresas para tirar proveito da crise. Em primeiro lugar, deve-se elevar o nível de exigência. Algumas empresas pecam por não ter o devido rigor em suas "due diligences". Para garantir o sucesso de uma aquisição, é crucial uma visão externa e isenta do alvo em questão. Além disso, é essencial que a lista dos alvos potenciais esteja em sintonia com o contexto do mercado, que tende a se tornar menos tolerante com a ousadia excessiva, a alavancagem exagerada e o risco não gerenciado.
Por último, não se deve assumir que os modelos tradicionais sejam as únicas opções. Parcerias, "joint ventures" e alianças estratégicas podem ter menor custo e inclusive viabilizar transações com questões de controle delicadas. Por exemplo, a megafusão entre Itaú e Unibanco foi estruturada como a criação de uma holding - a IU Participações - com capital dividido igualmente entre as famílias controladoras dos dois bancos. A nova holding detém 51% do capital do novo banco, garantindo o equilíbrio no comando do maior conglomerado financeiro do país.
Em alianças e transações estratégicas, o princípio é o mesmo: fortalecer o negócio central da empresa e permanecer flexível para capturar novas opções de crescimento. Se por um lado as transações são mantidas em segredo antes de seu anúncio oficial, por outro é possível identificar as empresas que têm uma estratégia consistente de crescimento por meio de estes mecanismos.
Pedro Cordeiro é sócio da Bain & Company.