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A vergonha do luxo é uma teoria infundada
O dia que eu comprar uma bolsa de R$8 mil pode mandar me prender", diz a moça em frente à vitrine da Chanel. "Então, manda", seria o conselho dos especialistas do setor. Todo cidadão tem um consumidor de luxo dentro de si, basta saldo para que ele aflore. Mas será que a disposição hedonista persiste mesmo em plena crise Não rola, assim, um certo receio em dar pinta quando tanta gente fica desempregada ou é devorada pela hipoteca Em 2009, quando a consultoria americana
Bain & Company previu uma retração do mercado de luxo de 10%, entre as tendências destacadas estava o "luxury shame". O termo foi cunhado para definir o sentimento dos abastados em conter compras ou esconder seus bens mais caros diante dos menos afortunados e abalados pela crise. E, ainda, que este consumidor iria fugir dos logos e preferir produtos mais discretos.
Pois bem, o mercado de luxo deve manter seu processo de desenvolvimento com ganhos entre 6 % e 7% neste ano pelo levantamento da Bain & Company encomendado pela Fundação Altagamma. O resultado divulgado neste mês em Milão deixou o diretor executivo da associação italiana Armando Branchini tão animado que ele foi categórico. "Felizmente, a teoria do luxury shame' elaborada há três anos por alguns analistas era totalmente infundada."
Na China, é claro, está todo mundo "sem vergonha". O país continua como principal motor do crescimento do setor e deve crescer entre 18% e 22%. A índia surge nesse cenário para reforçar
a importância do continente asiático e o país deve chegar a 20% de aumento na aquisição de bens de luxo. A América Latina, capitaneada pelo Brasil e México, está, sem nenhum rubor, apta a bater 14%. O desempenho positivo da Europa (3,75%) e dos Estados Unidos (7%) depende da temporada de férias, ou seja, da farra dos turistas sem culpa.
Como os emergentes continuam comprando sem dó nem piedade só o dólar a R$ 2 gera uma certa reflexão nos brasileiros -, o que houve foi uma transformação do conceito do " luxury shame".
Aqui o dilema da "luta de classes" é outro. Os tradicionais compradores de luxo ficam envergonhados quando identificam que estão no mesmo balaio que os novos ricos. Para ficar só em um ícone, a bolsa Chanel com alça de corrente, antes um passaporte de pertencimento de um grupo exclusivo, agora é um cartão de visitas que se banalizou com a nova classe média.
Quer captar esse desconforto Na balada, mesmo as mais sofisticadas em São Paulo, a fina flor
fica reparando nos freqüentadores e se recriminando por ter ido com esta ou aquela peça grifada por ter identificado "novatos" com o mesmo figurino.
O blog "Peguei bode", uma espécie de e-commerce onde as pessoas podem se "desapegar" de peças de luxo e colocá-las à venda, também é um retrato desse momento. Em geral, os produtos que são ofertados ali são aqueles que já teriam se "popularizado". Como não se sentir envergonhado quando seu mundo antes exclusivo sofre estocadas diárias dos emergentes
O estudo da Bain e da Altagamma destaca a concorrência das redes de fast-fashion que buscam localizações privilegiadas para suas lojas e investem cada vez com mais freqüência em linhas premium. Essas iniciativas têm afetado as marcas de luxo consideradas mais acessíveis. Por isso, nessa segmentação do setor por andares, o patamar que mais cresce é o do "absolute luxury", justamente as grifes e produtos mais caros. Aquelas que reforçam o elitismo, a tradição, a unicidade. A distinção é
perseguida não mais no logo, mas na sofisticação da matéria prima utilizada e na rigorosa qualidade do trabalho manual.
Mas veja só, nas rodas sociais nem isso tem bastado. Há a caricatura do realiry show "mulheres ricas" pairando sobre os clãs. Que tal, então, mostrar um pouco de conhecimento para não cair na vulgaridade coletiva e se blindar da vergonha alheia
Ouvi de uma senhora muito distinta, outro dia, que ela não se lembrava de Sheakespeare estar tão presente em eventos como atualmente. Os clássicos se tornaram assunto respaldado por esses cursos temporários que dão fast-verniz a quem precisa. Outros preferem se iniciar no mundo da arte contemporânea desde que, a princípio, ela não brigue com a decoração. Parecer inteligente é uma tendência que também pode ser alcançada convidando um Prêmio Nobel para sua festa. E isso não é vergonha nenhuma, claro.
O que acontece é que ficou mais difícil desfrutar com tranqüilidade do "savoir-faire" e do "savoir-vivre". Mas a indústria do luxo não dorme
no ponto. Se os elementos de distinção estão se esgotando para um determinado grupo, é importante ser solidário com seus consumidores.
Um chavão que todo "envergonhado" gosta de repetir: o tempo é o verdadeiro luxo. Como vendedores de produtos podem captalizar um elemento tão impalpável como este A Hermes, por exemplo, criou um relógio em que é possível "parar" o tempo. O "Le Temps Suspendu" tem um botão que, quando acionado, conduz todos os ponteiros para o 12. Assim, o cidadão que quer ter um tempo só para si, não vê as horas passarem. Ele cria seu próprio intervalo no fluxo da história. O mecanismo demorou quatro anos para ser desenvolvido. "Só Hermes poderia fazer tal statement filosófico", declarou o mestre relojoeiroJean-Marc Wiederrecht, que comandou o projeto. Viu só Não se trata de um relógio, mas de uma afirmação de que o tempo não é sinônimo de estresse. Custa a partir deUS$ 18 mil, nos Estados Unidos. Sem remorso.