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VENCER O LEILÃO FOI O MAIS FÁCIL
O governo acertou ao superar uma barreira ideológica e conceder a gestão de três aeroportos à iniciativa privada. Agora é preciso que os consórcios vencedores cumpram os contratos
O LEILÃO DOS AEROPORTOS DE GUARULHOS, Campinas e Brasília trouxe de volta a euforia e as polêmicas que marcaram as privatizações dos anos 90. O pregão, realizado em 18 de fevereiro na BM&F Bovespa, em São Paulo, conseguiu atrair 11 consórcios. A título de comparação, o leilão do sistema Telebras, o maior da história brasileira, contou com dez grupos. Os perdedores ficaram estarrecidos com os lances dos vencedores: o ágio médio foi de quase 350%, gerando para o governo uma arrecadação próxima de 25 bilhões de reais. Não se via percentual tão elevado desde a venda do Banespa, antigo banco estatal de São Paulo, arrematado pelo Santander em 2000. Reviveu-se também o antagonismo político. De um lado, caciques do PSDB comemoraram o sucesso da privatização. De outro, petistas insistiram em chamar a abertura dos aeroportos à iniciativa privada de concessão pública temporária. Das antigas divergências, no entanto, emergiu uma nova unanimidade ninguém mais duvida de que a iniciativa privada é a solução para o gargalo no setor aéreo. "0 leilão coloca ponto final na disputa ideológica e política de mais de 16 anos", diz Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações do governo Fernando Henrique Cardoso que participou das privatizações da época. "Era essa disputa que impedia a concessão de serviços públicos ao setor privado para agilizar os investimentos na infraestrutura." Na avaliação de Mendonça de Barros, não apenas os aeroportos mas terminais portuários e rodovias estão à espera de novas rodadas de concessões. Embora não haja um cronograma oficial de novas privatizações, já está em análise no governo
a concessão de três rodovias federais trechos das BRs 040,116 e 381, num total de mais de 2000 quilômetros -, com perspectiva de investimento superior a 10 bilhões de reais. Também o porto de Manaus, um dos piores do país, pode ser concedido e receber investimento de 1,4 bilhão de reais. Nas telecomunicações, aguarda-se a definição da outorga de 70 áreas para uso de novas freqüências.
Batido o martelo e estourada a champanhe, os consórcios vencedores têm pela frente o complexo e oneroso trabalho de equiparar a infraestrutura e os serviços dos aeroportos brasileiros aos padrões internacionais. Segundo especialistas do setor, não será uma tarefa fácil. Em primeiro lugar, porque as deficiências a superar são crônicas e imensas. Operando acima do limite, os três atendem 30% do movimento anual de passageiros e quase 60% do volume de cargas do país. Em Guarulhos, com capacidade para 26 milhões de passageiros por ano e por onde passam 30 milhões, é rotina penar mais de 1 hora na fila do desembarque internacional. Nos aeroportos mais movimentados do mundo, o tempo máximo de espera é de 15 minutos. No aeroporto de Brasília, o aumento no extravio e no roubo de bagagens em 2011 foi tamanho que virou alvo de investigação do Ministério Público. Guarulhos padece da mesma rapinagem. No aeroporto de Campinas, a Vigilância Sanitária lacrou na virada do ano lanchonetes da praça de alimentação que pecavam pela falta de higiene.
A capacidade técnica e financeira dos vencedores também suscitou dúvidas. Ficaram de fora as grandes empreiteiras, como Odebrecht e Camargo Corrêa, e os operadores de aeroportos que estão entre os melhores do mundo, como os de Frankfurt e Singapura. Já no consórcio que pagará 3,8 bilhões de reais pelo aeroporto de Campinas está a construtora Triunfo. Em 2008, a empresa ganhou a concorrência da rodovia Ayrton Senna, em São Paulo, mas não levou por
não conseguir apresentar as garantias. Na sociedade, a operação do aeroporto caberá à francesa Egis, cuja experiência concentra-se na gestão de terminais localizados em países africanos, como Congo e Gabão. No consórcio que arrematou o aeroporto de Brasília, por 4,5 bilhões de reais, está a argentina Corporación America, que acumulou dívidas e renegociou contratos na gestão de 33 aeroportos em seu país de origem.
EXCESSO DE ESTADO
A permanência da estatal Infraero nos negócios uma questão política é um incômodo a mais. A Infraero será minoritária, com 49% das ações, mas manterá poderes excepcionais. Terá voto de minerva em decisões estratégicas, como o ingresso e a saída de sócios e a aprovação de captações. Muitos temem que, via conselho de administração, ela emperre avanços necessários. A futura simbiose da Infraero com o consórcio que arrematou Guarulhos por 16,2 bilhões de reais chamou a atenção por sua relação quase umbilical com o Estado. Nele estão a construtora OAS, a operadora Airports Company South África, uma estatal sul-africana, e a Invepar, que reúne os fundos de pensão Previ (Banco do Brasil), Funcef (Caixa Econômica Federal) e Petrus (Petrobras). O número de representantes do setor público rendeu-lhe o apelido de consórcio chapa-branca. Gustavo Rocha, presidente da Invepar, não gostou da brincadeira. "Isso é conversa de quem não conhece o grupo e não sabe que somos focados no mercado e na geração de valor", diz. "Na gestão de Guarulhos, nossa meta é oferecer retorno de 7,5% a 8% ao acionista."
Os analistas de mercado, no entanto, estão céticos quanto aos retornos. O ágio pesado vai virar contas que começam deficitárias. Além disso, apesar de o pacote de benefícios da concessão incluir empréstimos do BNDES, as empresas terão de usar capital próprio e buscar financiamento no mercado. "O agente privado pode cortar custos na operação e nas obras, mas os ágios foram altos, e é certo que será um desafio fazer o negócio render", diz o consultor
André Castellini, da Bain & Company. De acordo com ele, quem paga caro por aquisições no setor costuma se desven- cilhar do peso financeiro contando com renegociação de contratos. Às vezes, posterga investimentos, uma estratégia que seria complicada porque boa parte das obras necessárias para atender os torcedores da Copa do Mundo de 2014 está atrasada. Outra tática é elevar as tarifas dos serviços, opção que os especialistas dão como certa, apesar de governo e consórcios vencedores negarem. Há dúvidas também se a Agência Nacional da Aviação Civil, o órgão regulador, será severa na aplicação das multas previstas caso as empresas não cumpram os indicadores de qualidade previstos e o cronograma de obras. O exemplo que se tem no terreno da regulação no governo petista não é animador. No caso da concessão de rodovias federais de 2007, a Agência Nacional de Transportes Terrestres já prorrogou os prazos das concessionárias, que até agora investiram pouco.
A fórmula mais comum para elevar as receitas de aeroportos é a exploração das chamadas tarifas não reguladas, como o preço de estacionamentos e o aluguel de lojas. Nos aeroportos mais modernos do mundo, elas cobrem 65% dos resultados. Em Guarulhos,fatia não passa de 40%; em Viracopos, 10%. Os consórcios já anunciaram que investirão nessa via. "A iniciativa privada vai melhorar a eficiência dos aeroportos", diz Richard Dubois, sócio da consultoria PWC.
Dúvidas à parte, o importante é que o governo, ainda que tardiamente e sob pressão pela total falta de prazo para atender o desembarque dos turistas no mundial de futebol, deu um passo à frente. Vale lembrar o setor de telefonia, que há 15 anos mantinha a maioria dos brasileiros à margem de uma invenção do século 19. Hoje ainda existem problemas na telefonia nacional, mas a discussão se dá em torno de mais qualidade, e não do atendimento básico. O resultado do último leilão abriu caminho para a concessão de outros terminais Galeão e Confins devem ser os próximos e golpeou o ranço ideológico que mantém uma situação esdrúxula: de um lado um governo que investe pouquíssimo em infraestrutura e, de outro, investidores ávidos por assumir risco nas oportunidades de negócio que a área oferece. No meio está a economia do país, as empresas e os cidadãos que precisam de aeroportos, rodovias, ferrovias e portos de qualidade. Espera-se que, para eles, a privatização seja o começo do fim do caos.