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Por uma gestão mais simples

Por uma gestão mais simples

  • agosto 21, 2013
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Por uma gestão mais simples

Quando aceitou o convite para assumir a presidência da vale, em Abril de 2011, o mineiro murilo ferreira sabia que não teria vida fácil pela frente. A empresa tinha 119000 funcionários em 38 países e faturava mais de 46 bilhões de dólares. Era dona da maior mina de ferro do mundo e operava portos, ferrovias, navios e usinas de eletricidade. Mas foi apenas no momento em que sentou em sua nova cadeira que Ferreira, com mais de 30 anos de experiência no mercado, se deu conta do tamanho do desafio. Sua primeira tarefa foi listar os principais projetos da companhia. Chegou a oito folhas de papel completas. "Precisei de apenas cinco dias e um par de conversas para perceber que as coisas estavam complexas demais", diz. "Não foi difícil decidir que a simplicidade seria o pilar de minha gestão."

Desde então, Ferreira se dedica a enxugaia lista de prioridades para apenas uma folha. Por enquanto, chegou a três. Mas já tem claro o que quer: que a Vale seja a mineradora mais eficiente e segura do mundo. A empresa saiu de negócios arriscados e privilegiou mercados em que é mais lucrativa minério de ferro, níquel, carvão e fertilizantes. Nos últimos dois anos, vendeu navios e suspendeu projetos até pouco tempo considerados prioritários, como uma mina de potássio na Argentina e outra de feiro em Simandou, na Guiné. Ferreira também passou a dizer não com uma freqüência incomum na história recente da Vale. Nas últimas semanas, negou que vá investir em ativos do grupo EBX, de Eike Batista, e rejeitou aumentar a participação na CSA, a polêmica siderúrgica do grupo alemão Thyssen Krupp, da qual a Vale tem 27% das ações. Como resultado de suas medidas, os custos caíram 1,6 bilhão de reais no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2012. Até agora os investidores gostaram. No mesmo dia em que anunciou uma queda de 80% no lucro no segundo trimestre, as ações da Vale subiram 3%.

O esforço de Ferreira simboliza um novo momento das grandes empresas brasileiras. Para um grupo crescente de executivos, chegou a hora de rever os excessos do crescimento acelerado.

Após anos de forte expansão, muitos deles se vêem diante de produtos demais, em mercados demais, em regiões demais. Nos anos de euforia, a maioria privilegiou a escala em detrimento da eficiência. Para complicar, o país passou, num curto espaço de tempo, por duas situações extremas: um período de crescimento como não víamos desde os anos 70 seguido de uma abrupta desaceleração. Um retrato sintomático está no balanço das 500 maiores empresas do país, divulgado em julho pelo anuário MELHORES E MAIORES, de EXAME. As vendas somadas de todas elas cresceram apenas 1,8% de 2011 para 2012, mas o lucro diminuiu 48%. Enfim, passada a euforia, o Brasil caiu na real e agora chegou a vez de as empresas fazerem o mesmo. "Nos anos bons, as condições foram muito favoráveis, e as empresas tentaram capturar o máximo de oportunidades. Neste momento, o mercado cobra foco", diz Alfredo Pinto, sócio da consultoria de estratégia Bain & Company. Um levantamento exclusivo com 250 executivos das maiores empresas do país realizado a pedido de EXAME pela consultora Betania Tanure, especialista em comportamento organizacional, apresenta um diagnóstico contundente. A maioria absoluta 84% dos entrevistados diz que há mais burocracia do que o necessário. "Estruturas lentas e inchadas costumam ser um efeito colateral inevitável do crescimento acelerado", diz Betania. São coisas que passam despercebidas quando os ventos sopram a favor. Mas que se tornam dramáticas no Brasil de hoje.

O equilíbrio perfeito entre escala e eficiência nas empresas é uma busca incessante desde os primórdios do capitalismo. As primeiras fábricas, no século 19, seguiam os ensinamentos do escocês Adam Smith e faziam apenas um produto, com o máximo de produtividade. Com o passar das décadas, as empresas foram diversificando. Nos anos 30, o prêmio Nobel britânico Ronald Coase deu forma à teoria moderna sobre as empresas ao dizer que companhias em expansão, cedo ou tarde, chegam a um ponto em que novos produtos aumentam os custos acima das receitas. E o sinal de que a complexidade passou do limite.

Esse fenômeno se repete mesmo com algumas das melhores empresas do mundo, aquelas que nasceram de uma idéia simples e poderosa. O caso da Microsoft é emblemático. Bill Gates, hoje um dos homens mais ricos do mundo, construiu a empresa a partir dos anos 70 com uma mensagem ambiciosa e direta: em cada casa deveria haver um computador. Hoje com outros produtos além de seu sistema operacional, como o tablet Surface, celulares, o videogame XBox e até o programa de comunicação por voz pela internet Skype, o presidente mundial, Steve Ballmer, anunciou em julho uma reorganização interna para retomar a simplicidade, batizada de One Microsoft. De 12 unidades de negócios, a companhia passará a ser organizada em quatro áreas principais. "Precisamos de uma estratégia única numa companhia única, e não de uma coleção de estratégias para cada divisão de negócios", afirmou Ballmer num comunicado. Os ciclos que alternam a busca por mais escala e por mais eficiência são conhecidos há décadas em países maduros. Até pelo nosso estágio de desenvolvimento, algumas empresas brasileiras estão tendo de lidar com os desafios do gigantismo pela primeira vez. É o caso da rede de laboratórios Fleury. O faturamento da companhia dobrou nos últimos cinco anos, para 1,5 bilhão de reais em 2012. Em agosto, o laboratório decidiu rever seu ritmo de crescimento. A empresa diminuiu seu plano de investimento para 250 milhões de reais, 16% menos em relação à projeção no início do ano. Segundo Ornar Hauache, presidente do Fleury, a decisão não tem a ver com a retração da demanda, e sim com a complexidade da operação. O sinal amarelo acendeu com os resultados do segundo trimestre, com queda de 31% no lucro líquido e aumento nos custos fixos. "Demos uma pausa para aumentar a eficiência", diz Hauache. Uma de suas primeiras medidas foi segurar a expansão da rede A+, lançada em 2011 para abarcar todas as marcas regionais adquiridas pela rede. Duas medidas j'á estão sendo tomadas: o descredenciamento de planos de saúde que não aceitaram pagar mais pelo serviço e a ampliação da oferta de exames de imagem, mais rentáveis para a rede. Da porta para dentro, Hauache mudou a rotina da diretoria. Hoje, longas apresentações de PowerPoint sobre o que vai bem em cada área foram banidas. Em vez disso, as reuniões mensais de resultado se concentram nos problemas mais críticos. E cada um entra na reunião com um plano de ação para resolvê-los. "Chegou um momento em que saíamos da sala com a sensação de que não tínhamos discutido tudo nem resolvido nada, apesar de passar uma manhã inteira reunidos", diz Hauache.

Ter uma lista do que fazer e do que não fazer pode ajudar a não se afogar. Foi exatamente isso que o paulista Walter Schalka implantou ao assumir a fabricante de papel e celulose Suzano, em janeiro. Com dívidas em alta e lucro em queda, ele teve de revelas prioridades da empresa. Separou todos os projetos em duas listas. Dos três principais investimentos, só um foi para a relação de prioridades a nova fábrica de celulose no Maranhão, que será inaugurada em 2014. Os demais foram para uma lista de espera assim que vencerem algumas etapas, os diretores poderão assumir novas tarefas. "Temos projetos ótimos, mas é preciso cumprir uma coisa de cada vez", diz Schalka. "É tentador querer executar tudo de uma vez. Eu mesmo às vezes proponho algo da lista do que não fazer, e algum diretor me lembra que aquilo não é prioridade agora."

EXCESSO DE CONTROLE

Por ironia, alguns exageros surgem justamente da tentativa de controlar a complexidade. Ao tentar descomplicar a gestão da Suzano, Schalka encontrou um caso emblemático. Até fevereiro, todas as aprovações de novos investimentos nas cinco fábricas da Suzano passavam por dois comitês compostos de várias áreas. A idéia inicial era garantir que nada, numa estrutura de 6 000 funcionários, saísse do controle. Mas, com esse modelo, algumas decisões banais levavam mais de um ano para ser tomadas. Desde abril, Schalka deu autonomia para que o próprio gerente da fábrica decida qualquer investimento de até 5 milhões de reais, dentro de um orçamento preestabelecido. Pela primeira vez, eles serão responsáveis pelo sucesso ou fracasso das decisões. "Eles vão errar algumas vezes Talvez. Mas é preciso dar poder para ganhar agilidade", diz o executivo, que incentivou os funcionários a enviar idéias de simplificação. Algumas chegam a seu e-mail. Uma delas serviu para acabar com uma ficha de avaliação de fornecedores preenchida todos os meses. Puro desperdício de tempo, já que o relatório não servia para nada.

Para conectar a companhia novamente a seu objetivo principal, dar dinheiro, Lafley usou um artifício simples e inusitado criou a personagem Joanne, uma boneca de papelão. Símbolo da consumidora-padrão da Procter, tornou-se presença obrigatória em reuniões de diretoria. Joanne testemunhou decisões importantes, como a venda dos produtos farmacêuticos e o reforço na área de cosméticos. Aos 66 anos, Lafley acaba de interromper sua aposentadoria para voltar ao comando da Procter&Gamble. Sua missão é fazer uma nova revisão dos negócios e resgatar a disciplina na expansão algo que, segundo analistas, acabou negligenciado pelo antecessor, Robert McDonald.

COMPLEXIDADE BOA

Toda complexidade é nefasta, segundo Roger Martin, professor da escola de negócios Rotman, da Universidade de Toronto. A complexidade que vale a pena é aquela pela qual o consumidor está disposto a pagar. É o que a fabricante de bens de consumo Unilever tenta fazer. A empresa monitora as vendas e a satisfação dos consumidores para cada produto a cada três meses. Os lançamentos que não são bem recebidos são aposentados sem dó. Mas as linhas de sucesso são aumentadas. É com essa lógica que a empresa tem enxugado sua linha de produtos de limpeza e aumentado a de xampus. "Complexidade é como colesterol. Há a boa e a ruim. A boa é a que ajuda a dar resultado. E é nessa que investimos", diz o argentino Fernando Fernandez, presidente da Unilever no Brasil. O ponto de Fernandez é que a busca pela simplicidade não seja uma apologia à falta de ambição. Ao contrário. Empresas complexas podem se manter grandes e eficientes ao seguir regras simples. Jack Welch, lendário presidente mundial da General Electric, disse, nos anos 80: "Se você não é número 1 ou 2, conserte, feche ou venda". É o mesmo princípio seguido por Murilo Ferreira, da Vale, ao manter a empresa apenas nas quatro áreas em que é mais eficiente. A rede de ensino Kroton segue essa mesma lógica. A empresa tem 344 projetos em andamento, em áreas como marketing e recursos humanos. Eles são geridos por 13 comitês e seu cumprimento pesa no bônus dos executivos. A Kroton lançou 157 novos cursos nos últimos 18 meses e planeja a construção de 20 campi até o fim de 2014. Nunca foi tão complexa e nunca foi tão rentável. Sua margem operacional é 50% maior do que era há cinco anos, quando tinha menos de um quinto do tamanho atual. Para conseguir isso, instituiu regras inegociáveis. Uma delas, vigente desde 2011, define que as turmas abertas a cada semestre que não atingem margem mínima são eliminadas antes do início das aulas. Simples assim. A fabricante de bens de consumo Hypermarcas também melhorou os resultados ao investir apenas na complexidade que dá retorno. Em 2007, a empresa vislumbrou a oportunidade de consolidar os mercados de higiene, farmácia e alimentos. Fez 23 aquisições e multiplicou por 10 o faturamento, mas a fúria foi tanta que fechou 2011 no vermelho. Em 2012, a empresa começou a reduzir a variedade de produtos. Na linha de alimentos e higiene, caiu de 2 200 para 1200 em um ano. Na área de medicamentos, em compensação, a complexidade aumentou. "Temos 500 variedades no mercado, e 200 esperando pela licença", diz Cláudio Bergamo, presidente da Hypermarcas, que voltou ao azul em 2012. Em paralelo à mudança no portfólio, há uma revisão da estrutura física. Até 2014, a companhia quer passar de 23 endereços para apenas cinco.

O preço de não descomplicar pode ser alto. Um estudo da consultoria Bain com 63 multinacionais revela o risco que uma estrutura pesada pode trazer. Os resultados são claros: empresas com muitas prioridades dão menos retorno a seus acionistas e crescem menos que a concorrência, especialmente em momentos de crise. "Para ser competitiva, uma empresa precisa responder rapidamente às mudanças. E a complexidade é a maior inimiga da agilidade", diz Ron Ashkenas, professor da escola de negócios Haas, da Universidade Berkeley. O americano Jim Collins, considerado um dos maiores especialistas do mundo em gestão e estratégia, já afirmava em 1994, no clássico Feitas para Durar, que disciplina e simplicidade são valores mais vitais para as companhias do que inovação. Num mundo que passa por mudanças cada vez mais velozes, as empresas têm de se manter ágeis para mudar rapidamente. É simbólico que investidores de grandes companhias globais tenham começado a pressioná-las a manter o foco. Foi o que aconteceu com a fabricante de alimentos americana Kraft. Em 2012, a companhia se dividiu em duas, com o discurso de que assim teria mais condições de crescer. Os investidores têm sugerido o mesmo para a americana Pepsico. Com a queda da rentabilidade, a pressão é por separar o negócio de bebidas do de alimentos. A indiana Indra Nooyi, presidente mundial da companhia, tem resistido à idéia. Manter a simplicidade, afinal, nem sempre pode parecer um legado charmoso para um executivo. Mas fugir dela pode representar um fim bem pior.

COMO ESCAPAR DA ARMADILHA DA COMPLEXIDADE

Ao rever a maneira como pensam a estratégia ou organizam as reuniões de diretoria, grandes empresas brasileiras começam a driblar os problemas trazidos por estruturas eprocessos muito complicados.

1.Quando o mercado abre uma nova janela de oportunidade, pode ser melhor aproveitar para crescer e enxugar depois. 0 importante é se preparar para esse momento antes que os resultados deteriorem.

EXEMPLO. De 2007 a 2010, a fabricante de bens de consumo Hypermarcas fez 23 aquisições. Desde então, com queda no lucro, teve de iniciar o enxugamento da operação. Em paralelo, deverá passar de 23 endereços diferentes para apenas cinco até 2014.

2.TER PRINCÍPIOS SIMPLES E INEGOCIÁVEIS

E possível se manter simples, mesmo atuando em dezenas de mercados diferentes. Basta definir princípios simples e inegociáveis, como só permanecer em negócios que dêem retorno específico.

EXEMPLO. Assim que assumiu a mineradora Vale, Murilo Ferreira definiu que a empresa deveria ser a mais rentável e segura do mundo. Para isso, determinou que era preciso sair de negócios com margens baixas. Ao tomar essa decisão, a companhia se desfez, por exemplo, de uma mina de potássio na Argentina.

3.DISTRIBUIR O PODER PELA EMPRESA

Dar autonomia aos funcionários pode acelerar as decisões. Controle em excesso em geral é uma tentativa de colocar ordem numa estrutura grande. Mas só aumenta a complexidade das companhias.

EXEMPLO. Até 2012, qualquer aprovação de investimento na fabricante de papel e celulose Suzano dependia de dois comitês. Às vezes levava mais de um ano. Desde abril, só projetos acima de 5 milhões de reais passam pela diretoria. Os demais são definidos na própria fábrica. Pela primeira vez, a responsabilidade pela decisão é só deles.

4.GASTAR TEMPO COM O QUE INTERESSA

Reuniões podem ficar mais produtivas quando se gasta menos tempo discutindo o passado ou falando do que vai bem.

EXEMPLO. Nas reuniões mensais de diretoria do laboratório Fleury, foram banidas as longas apresentações de PowerPoint de diretores em geral recheadas de detalhes sobre o que vai bem. A prioridade é discutir os problemas e os planos de ação para resolvêlos. Todos entram no encontro de resultados com um plano de ação nas mãos, em que detalham o que fazer, quem vai executar e qual é o prazo para a entrega das metas estabelecidas.

5.SABER QUANDO A COMPLEXIDADE É UMA VANTAGEM

Complexidade é como colesterol há a boa e a ruim. A boa é aquela pela qual o consumidor está disposto a pagar e, por isso, ajuda a melhorar os resultados

EXEMPLO. A fabricante de bens de consumo Unilever enxugou a linha de limpeza, mas está ampliando a de xampus, porque nessa área o consumidor brasileiro em geral topa pagar mais por variedade. Todo o portfólio passa por uma revisão a cada três meses, em que é analisado o interesse dos consumidores pelos lançamentos. O que vai mal está sumariamente fora do portfólio. O que vai bem fica e se multiplica.

6.SER SIMPLES NÃO É SER SIMPLISTA

Ao simplificar aspectos naturalmente complexos, as empresas podem perder oportunidades. Perseguir a gestão simples não significa ter menos ambição ou ignorar a complexidade.

EXEMPLO. A rede de ensino Kroton hoje tem 344 projetos em andamento, lançou 157 novos cursos nos últimos 18 meses e planeja construir 20 novos campi até o fim de 2014. Nunca foi tão complexa nem tão rentável. Sua margem operacional é 50% maior do que era há cinco anos, quando tinha menos de um quinto do tamanho atual.