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A missão que Erica Butow adotou está na ponta da língua: transformar a educação no Brasil como forma de contribuir para a igualdade de oportunidades. “Mas isso nem sempre esteve claro para mim”, garante. Hoje é uma das cofundadoras do Ensina Brasil, organização parceira do Teach For All, uma rede global quarenta países. O programa, que seleciona jovens para lecionar em escolas públicas brasileiras por dois anos, começa seu processo de recrutamento no segundo semestre de 2016.
Formada em Administração pela FEA-USP, Erica passou pela Proctor & Gamble e pela Whirlpool antes de se questionar mais a fundo sobre seu propósito. Quase cinco anos depois de se formar, sentia que faltava algo na carreira. Sem muitas pretensões, tornou-se voluntária da ONG Cidadão ProMundo e começou a dar aulas de inglês em comunidades carentes no tempo livre.
Logo se viu imersa. Fundou uma unidade, que chegou a ter 200 alunos, e tornou-se diretora de expansão, aumentando em dez vezes o número de voluntários. “Caiu a ficha: percebi que conseguia fazer alguma coisa com um problema que me parecia muito complexo e que já permeava minha história de vida”, explica. “E aí conectei os pontos.”
A educação brasileira não era, afinal, um monstro de sete cabeças. Mas a impressão inicial é compreensível. “As coisas parecem tão difíceis que os jovens olham e falam: ‘não consigo fazer nada para ajudar’. Mas também nunca tentaram”, diz ela. “Uma vez que você tenta e percebe que consegue mudar a vida de um aluno, mesmo que seja uma mudança pequena, você impacta uma vida e outros impactos vão se seguir.”
Conquistada pelo setor e visando aprimorar suas habilidades de gestão, Erica foi fazer MBA na Universidade da Califórnia em Berkeley e como, Lemann Fellow, fez aulas e se envolveu com o Lemann Center da Universidade de Stanford, especializado em educação e empreendedorismo no Brasil.
“Explorei o mundo de educação de A a Z: de ONGs em Gana a fundos de investimento em startups na Bay Area”, diz. Participou de um programa de desenvolvimento de lideranças em educação e foi alocada por um verão em uma escola pública no Harlem, em Nova York. Percebeu ali que a educação era um problema global, que persistia mesmo em uma das cidades mais ricas do mundo.
Missão Em fevereiro de 2015, enquanto ainda era gerente de inovação do Mind Lab, uma organização voltada para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais e tecnologias de educação, Erica começou a engendrar com outros empreendedores sociais o que viria a ser o Ensina Brasil.
O programa visa atrair jovens talentos e desenvolver agentes de transformação para contribuir com a melhoria da educação em diferentes frentes. “Acreditamos que é preciso entender na prática o que significa ter impacto e quebrar essa paralisia”, diz.
Uma vez recrutados, os participantes passarão por processos de formação e desenvolvimento – que inclui aprender a dar aulas – e em seguida partem para atuar como professores em escolas públicas de alta necessidade por dois anos. A parte formal do programa também conta com tutores, que acompanharão os jovens professores in loco, e mentoria de professores das escolas em questão.
Esse contato com a comunidade escolar, que também envolve diretores e pais, é primordial para que haja uma troca verdadeira de experiências no modelo do Ensina Brasil. A percepção do programa é que não adianta cair de paraquedas e começar a escrever na lousa, sem se envolver com a realidade local.
“Os ‘Ensinas’ podem e devem ter um impacto na vida dos alunos, mas isso não significa ir com a ideia de resgatar aquelas crianças ou agir como superherois”, explica. “Para ter sucesso, precisarão aprender com o que já tem na comunidade, valorizar seus professores e a partir daí, com nosso suporte, ajudar a empoderar aqueles alunos.”
Para delinear a estratégia, Erica dedicou boa parte de seu tempo validando a ideia com gestores de escolas públicas. “Os diretores acreditam muito que é preciso trazer perspectivas diferentes para os alunos, e que os jovens conseguem fazer essa conexão com mais facilidade”, explica. “Eles veem a iniciativa com bons olhos.”
Agentes de transformação A visão do Ensina Brasil, portanto, tem duas medidas. A curto prazo, os jovens talentos levarão novos pontos de vista para as escolas e impactarão os alunos e as comunidades. No longo prazo, tornam-se agentes de transformação em seus campos, seja ele qual for, com o apoio de uma rede crescente de ex-participantes.
O processo seletivo para participar do Ensina Brasil, que será anunciado em breve, terá muitas etapas. Entre testes, entrevistas, cases, simulações e paineis, a equipe selecionará pessoas com perfil empreendedor, motivadas e comprometidas com a transformação. Os inscritos não precisam ter experiência em sala de aula e podem ter se formado em qualquer área.
E se outros países servirem de régua, o interesse promete ser alto. Globalmente, a Teach for All contabiliza 10 inscritos para cada vaga, enquanto a versão colombiana chegou a ter 92 para uma. Nos EUA, completa Erica, 18% dos alunos de Harvard aplicam para o programa, que também é o quarto maior empregador de Stanford.
Tanto a credibilidade do programa quanto sua missão transformadora facilitam na hora de correr atrás de investimentos. “O governo só paga o salário dos professores, então a organização precisa captar recursos para todas as outras coisas que envolvem operações”, diz ela.
Além de uma parceria com a consultoria Bain & Co., que dedicou um time pro bono em tempo integral para ajudar a construir a ONG, o Ensina Brasil conta com o apoio de pessoas físicas de peso e da Fundação Lemann.
“Ser apresentada por pessoas de redes como Lemann e Estudar ajuda muito”, diz. “Mas mais que isso, é importante olhar para o lado e ver outras pessoas passando por dificuldades e conseguindo superá-las.”
Passado e futuro Erica gesticula, sorri e se empolga enquanto fala do projeto. Não é difícil entender por que. Filha de uma empregada doméstica criada no sertão nordestino e de um judeu alemão que escapou da 2ª Guerra Mundial, ela teve o poder transformador da educação enraizado em sua trajetória.
“Saber de onde meus pais vieram é ver que tudo é possível e ter uma resiliência que beira a teimosia”, diz ela, que deu aulas de alfabetização para a mãe na juventude. “Eles me ensinaram que, independente do que acontecer na vida, seja o Holocausto ou a vida na roça, ainda é possível sobreviver.”
Ainda hoje, quando visita a família no Nordeste, se comove com a situação tão diferente da sua. Fiel à forma, faz questão de trabalhar com ainda mais ímpeto para transformar o futuro dos sobrinhos e de tantos outros jovens país afora.
“Quero que todas as crianças brasileiras tenham a oportunidade de ter uma educação de qualidade, para que suas conquistas sejam reflexo de seu pleno potencial desenvolvido e não de sua condição socioeconômica”, conclui.