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O uso do fundo soberano no pré-sal

O uso do fundo soberano no pré-sal

É importante ter um amplo debate no governo e na sociedade a respeito do equilíbrio entre gastos presentes e futuros.

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O uso do fundo soberano no pré-sal
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É importante ter um amplo debate no governo e na sociedade a respeito do equilíbrio entre gastos presentes e futuros

A possibilidade de exploração de petróleo e gás na camada pré-sal no Brasil gera importantes implicações econômicas para o País. A abundância de receitas advindas da exportação de recursos naturais pode ser benéfica para a economia, mas há o risco de que acarrete graves prejuízos econômicos, em fenômenos como a apreciação da taxa de câmbio, aumento da inflação e crescente dependência da economia do setor petroleiro ou daqueles altamente correlatos.

Para reduzir a exposição a tais fenômenos, a experiência internacional mostra ser imperativo gerir, de forma centralizada, grande parcela desses recursos.

Os casos dos Fundos Soberanos da Noruega (Government Pension Fund), da Rússia (dois fundos: Reserve Fund e National Wealth Fund), e do Alasca (Alaska Petroleum Fund) são exemplo internacional de sucesso.

Em linha com as referências internacionais, as propostas de mudanças no marco jurídico-regulatório da exploração petrolífera e a discussão acerca do uso de um Fundo Soberano para gerir as receitas oriundas do petróleo deverão garantir esse imperativo, desde que os objetivos do Fundo também sejam bem estabelecidos.

A experiência internacional nos mostra que um Fundo Soberano pode ter objetivos de estabilização (proteger a economia de oscilações dos preços do petróleo), acumulação (acumular e rentabilizar ativos visando à preservação da riqueza nacional) e/ou estratégicos (canalizar os recursos para fins estratégicos específicos definidos pelo governo).

Os principais Fundos Soberanos de acumulação, em volume de recursos, são o ADIA (Emirado de Abu Dhabi), o GPF (Noruega) e o GIC (Cingapura); o GPF também possui objetivos de estabilização, além do Fundo HKMA, de Hong Kong, e do NSSF (China); finalmente, podem-se citar, dentre os principais Fundos Soberanos estratégicos, os chineses SAFE e CIC, o Temasek, de Cingapura e o QIA, do Qatar.

Acreditamos que os três objetivos possíveis para um Fundo são, de alguma maneira, pertinentes ao caso brasileiro.

No momento em que a produção do pré-sal seja significativa, a função estabilizadora do Fundo Soberano terá especial importância, tanto no sentido de esterilizar as receitas advindas do petróleo como no de balancear as contas do governo, possivelmente mais dependentes do petróleo.

Entretanto, esta não deverá ser uma prioridade nos próximos dez anos, dado o longo tempo de maturação dos projetos do pré-sal.

Os objetivos estratégicos e de acumulação do Fundo Soberano, por sua vez, estarão em evidência desde sua criação. O balanceamento entre estes objetivos se dará principalmente pelas regras de entrada e retirada de recursos a serem estabelecidas para o Fundo.

A instituição de um Fundo Soberano que receba exclusivamente receitas vinculadas ao pré-sal significa que, em seus primeiros anos de existência, serão poucos os recursos disponíveis para investimentos na economia doméstica, minando a consecução de eventuais objetivos estratégicos vultosos em um primeiro momento.

Ao mesmo tempo, a priorização de dispêndios correntes poderá afetar seu objetivo de acumulação, a não ser que os investimentos estratégicos escolhidos gerem retornos competitivos. Esta questão se insere na discussão, mais ampla, das vantagens e desvantagens entre acumular os recursos do petróleo para o futuro e gastá-los no presente.

Por um lado, o gasto imediato pode gerar os supracitados desequilíbrios macroeconômicos no País, bem como não equilibrar os benefícios das receitas petrolíferas entre gerações.

Por outro lado, seguindo a hipótese de que a economia brasileira deve crescer a taxas superiores das de economias desenvolvidas, preocupações a respeito de solidariedade intergeracional parecem menos relevantes, uma vez que as gerações futuras serão mais ricas do que as presentes.

Ademais, o direcionamento das receitas petrolíferas para fortalecer outros setores da economia deve atuar no sentido de aumentar a competitividade global da indústria nacional.

Por exemplo, investimentos em infraestrutura prometem efeitos positivos duradouros na competitividade de vários setores, além do petroleiro, ao criar condições mais propícias para o desenvolvimento competitivo de uma série de indústrias no País.

Investimentos em educação atuam no mesmo sentido, com uma visão de retorno em horizonte de tempo mais longo.

Quaisquer que sejam os objetivos estratégicos a serem perseguidos, é importante que se promova um amplo debate no governo e na sociedade brasileira a respeito do equilíbrio desejável entre os gastos presentes e futuros, e consequentemente, entre os objetivos estratégicos e de acumulação de um Fundo Soberano brasileiro.

Uma vez definidos os objetivos a serem perseguidos pelo Fundo Soberano, caberá ao Poder Legislativo estipular leis que disporão sobre sua operacionalização.

As regras de funcionamento do Fundo Soberano deverão ser divididas entre o processo legislativo e a sua regulação complementar, a qual será estabelecida por decreto presidencial ou por um regulamento desenhado por seu órgão diretor. É crucial que os legisladores definam cuidadosamente quais temas serão tratados por processo legislativo ou por regulamento complementar.

O ideal é ter decisões acerca de temas fundamentais (por exemplo, os objetivos do Fundo Soberano ou as regras para a retirada de recursos) discutidas no processo legislativo, de modo a blindar o Fundo contra mudanças discricionárias promovidas pelo elaborador de seu regulamento complementar.

Por outro lado, decisões que necessitem de respostas rápidas (por exemplo, política de investimentos), devem ficar a cargo de regulação complementar para permitir flexibilidade na gestão cotidiana do Fundo.

«Temas fundamentais devem ser discutidos no processo legislativo para blindar o Fundo contra mudanças discricionárias»

Pedro Cordeiro é Sócio da Bain & Company; Rodrigo Más e Franz Bedacht São Gerentes de Projetos e Eduardo Gromatzky é Consultor da Mesma Companhia.

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