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Este artigo foi publicado originalmente no Estadão.com
O conceito de gestão de mudanças, tradicionalmente utilizado no ambiente empresarial, está obsoleto e não se aplica mais da mesma maneira como o conhecíamos. Até a própria noção de que a mudança pode ser administrada parece absurda, dados a realidade e o ritmo dos negócios nos dias de hoje. A intenção das lideranças e da alta gestão – entregar resultados de forma mais sustentável e rápida – permanece a mesma, mas o contexto em que as organizações operam está sendo modificado substancialmente, assim como a maneira como devemos pensar sobre essa mudança.
Três pontos críticos dessa transformação estão reformulando fundamentalmente a mudança corporativa. Em primeiro lugar, é preciso entender que mudança não é mais um projeto com início e fim definidos. É contínuo e acelerado. Em média, os funcionários agora passam por três grandes mudanças a cada ano nas organizações. Em 2020, eram menos de duas. E quase três quartos das companhias esperam que mais iniciativas de mudança aconteçam nos próximos anos. Como disse um executivo recentemente, “assim que terminar uma transformação, a próxima vai começar”.
Embora muitas vezes se diga que a mudança é o “novo normal”, isso traz implicações profundas. Ser capaz de liderar durante a mudança não é mais uma habilidade opcional. Um estudo recente analisou conselhos de administração que iniciaram um rodízio de CEOs e descobriu que o motivo número um era a necessidade de ter alguém com a capacidade de gerenciar mudanças com sucesso.
Devemos repensar a maneira como lideramos, como envolvemos as equipes e como inspiramos as pessoas. Como podemos construir maior apoio, influência, desejo e compromisso com a mudança, bem como maior resiliência na nossa organização? A capacidade de mudar com sucesso, tanto como líderes quanto como organizações, está rapidamente se tornando uma fonte de vantagem competitiva.
Outro aspecto a considerar é o avanço na tecnologia e como isso está remodelando os desafios e as possibilidades que as mudanças oferecem. A inteligência artificial (IA) está mudando a natureza das tarefas e contribuindo na transição de funções que, antes, só os humanos faziam. É necessário repensar mais amplamente o futuro do trabalho. Sim, muitos empregos desaparecerão, mas muitos também serão criados, exigindo uma gestão inteligente durante esse período de imenso deslocamento. A Amazon, em 2016, aumentou em 50% o número de robôs usados, de 30 mil para 45 mil, garantindo uma redução em seus custos e prazos de entrega. No mesmo período, a gigante do varejo aumentou sua força de trabalho humana em 50%, para focar em tarefas que exigem habilidades específicas para atender melhor aos consumidores.
Isso requer que as empresas cultivem a capacidade de treinar continuamente sua força de trabalho em novas habilidades. A necessidade de talentos com habilidades técnicas avançadas está superando em muito a oferta. Em um estudo de 2018 da IBM, 63% dos entrevistados citaram a falta de habilidades técnicas como uma barreira para a implementação de IA. Em resposta, um número crescente de empresas voltadas para o futuro está construindo culturas de aprendizado contínuo. Elas se concentram no desenvolvimento de habilidades técnicas avançadas e das habilidades humanas que as acompanham. Se não fornecermos ferramentas e treinamento avançado, para que os colaboradores e talentos permaneçam relevantes nas organizações que se apoiam nas tecnologias de IA, não sobreviveremos.
Em um mundo em que um número cada vez maior de decisões de negócios está sendo feito por máquinas, pesquisas mostram que apenas 10% das pessoas confiam na IA para realizar tarefas complexas e de alto risco. Precisamos encontrar uma nova maneira de construir confiança, não apenas entre as pessoas, mas também entre nós e a tecnologia. As aplicações profissionais, por exemplo, podem ser vistas com ceticismo por pessoas, que aceitam seus resultados como algo verdadeiro, mas hesitam quando humanos e máquinas chegam a conclusões diferentes.
No entanto, o aumento no volume de dados disponíveis e na capacidade de processamento também está desbloqueando nosso poder de abordar velhos desafios de maneiras novas e valiosas. As organizações podem, em tempo real, coletar e responder às informações sobre as operações de negócios, os funcionários e os clientes. Um exemplo: em vez de extrair um retrato de momento sobre as visões dos colaboradores em pesquisas anuais, empresas como Intel, IBM e Twitter começaram a usar a análise de sentimento, para entender como seus funcionários se sentem sobre suas funções, isso em tempo real. Mudança semelhante está transformando a gestão de clientes, uma vez que 70% dos executivos aumentaram seus investimentos em soluções de análises de clientes (customer analytics) em tempo real para tomar decisões mais eficazes.
A própria natureza da força de trabalho está mudando. A geração conhecida como Millennials já representa quase 50% dos profissionais ativos dos EUA, e está reformulando todas as expectativas presentes. Mais de 90% esperam permanecer em suas funções por menos de três anos, muito abaixo da média histórica, de 4,4 anos. Ao mesmo tempo, a chamada gig economy está contribuindo para um mercado de trabalho caracterizado por relações não tradicionais, independentes e de curto prazo. Um terço de todos os trabalhadores dos Estados Unidos tem algum tipo de arranjo de trabalho voltado a essa modalidade. As fronteiras das organizações estão se tornando mais porosas. Cada vez mais, não é apenas o ecossistema interno, mas também o externo – que compreende novos tipos de talentos, arranjos flexíveis de trabalho, com contratos profissionais externos – que define uma organização.
Nesse ambiente muito mais flexível, uma coisa não mudou: a natureza humana e o nosso desejo de estabilidade, previsibilidade e propósito. Em um mundo de crescente incerteza, a cultura e a missão das empresas estão se tornando novas fontes de estabilidade e propósito. Vemos um grande número de organizações que estão modificando o seu foco, de gerar valor para o acionista para um propósito mais amplo. Uma pesquisa com 12 mil funcionários de alto escalão, conduzida pelo The Energy Project e pela Harvard Business Review, apontou que os funcionários que extraem significado e importância de seu trabalho apresentam três vezes mais probabilidade de permanecer ligados às suas organizações, o maior impacto de qualquer aspecto examinado na pesquisa. Esses funcionários também relataram quase o dobro da satisfação no trabalho e estavam significativamente mais engajados em suas funções.
O escopo dessas mudanças é enorme. Exige que nos ajustemos a um futuro em que a mudança não pode nem deve ser “administrada”. Um “novo normal”, não mais definido pelo risco, pelo medo e pela evitação, mas, sim, por possibilidade, agilidade e oportunidade, exige não só que administremos a mudança, mas também que a aceitemos.